Perrengues de uma escritora

Estávamos eu, Tom e Lavínia resolvendo as coisas para o roteiro da peça que iríamos escrever e dirigir sobre “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, quando Evandro entra na sala. Ele vê o que estávamos fazendo e então pergunta:

— Quando vai terminar de escrever o teu livro?

Eu o olhei meio séria. Por céus, pra quê falar disso agora? Gritou minha mente. Respirei fundo e o respondi:

— Falta uns cinco capítulos, não tenho ideia de quando vou terminar. 

— Mas eu tenho um personagem?

Seu questionamento deu-me uma vontade tremenda de gargalhar. No ano anterior eu já o havia mostrado uns três capítulos do meu livro/conto “A Maldição do Enigma” e ele queria que eu o colocasse como um personagem. Fiz-me de desentendida na época e o assunto morreu. Pensei que ele havia esquecido até que veio a mim com esse assunto novamente.

— Ah, esse aí eu nem comecei, ainda tô no roteiro…— Dou de ombros, porque é verdade. Faz tempo que estou empacada em “O Futuro da Ameaça”, minha escrita atual, e não consegui pegar muito no roteiro de "AME", como carinhosamente apelidei um escrito que nem sei se vou chegar a de fato escrevê-lo, mas que vou fazer de tudo para isso.

— Qual você tá escrevendo? — Curioso, continua suas perguntas.

— Aquele lá, tu já leu um pedaço.

De fato, já o fiz ler um pequeno pedaço da cena inicial, onde os personagens são levados para o futuro depois de terem sido ameaçados de morte por uma gangue do presente. A premissa até parece com aquele filme "De volta para o futuro", mas pode ter certeza, não tem nada a ver. Principalmente porque o futuro em que são levados é "próximo" do presente, não com, sei lá, vinte, trinta anos de diferença.

— Mas eu sou um personagem do teu livro? — Perguntou, insistindo mais uma vez nesse assunto. 

— Ai meu Deus, de novo isso? — Ponho a mão na testa, pedindo intervenção divina para me tirar da insistência nesse assunto.

Apesar do meu estresse para não tocar nesse tópico, sua implicância me causou pena. Eu tenho muito apreço por ele e fico feliz por confiar em mim para criar um personagem dele e adicionar na história, mas nunca fiz isso na vida e não quero estragar tudo com uma imagem diferente do que ele esperava. 

Neste instante Victor e Jonas se aproximam de nós.

— Quem tá escrevendo um livro? — Victor questiona já dentro da conversa. Suspirei. Lá vem mais um curioso.

— Ela — Tom, que até o momento apenas ouvia, aponta para mim. — Se passa aqui na escola. — Completa.

Nunca imaginei que fosse passar por um perrengue de escritora na vida, além dos bloqueios de escrita, mas aqui estou eu, presa nessa conversa nada confortável. Quero cavar um buraco na terra e me esconder agora mesmo. Assim como Vando, eu já havia contado sobre o livro para Tom, mas não achei que ele se lembrava com tantos detalhes.

— É da tua vida? — Victor direciona o olhar em minha direção.

Por instinto da exposição repentina, sinto meu rosto queimar de vergonha. Escrever é algo muito íntimo para mim e ouvir falarem dos meus escritos assim é nauseante e vergonhoso.

— Não, na verdade é meio… macabro? — Digo, sem muito o que ser feito, a não ser satisfazer a sua curiosidade.

— Eu posso ser qualquer personagem, até o vilão. — Vando ressurge do além, me fazendo passar as mãos pelo rosto.

— Eu vou ter um personagem no livro? — Jonas surge, também interessado em ser um personagem. Minha compaixão por Evandro de minutos atrás foi deixada de lado e por um breve momento pensei em matar ele, sinceramente.

— Não tem como saber. 

Eles me encaram como se eu fosse um alienígena. Consigo imaginar o que eles estão pensando, algo como "como assim ela é a criadora e não sabe dos próprios personagens?" 

Como vou explicar isso? 

Antes que alguém falasse mais alguma coisa, me adiantei:

— Eu tô fazendo o roteiro ainda, não parei pra pensar nos personagens todos.

— E esse outro que tu tá fazendo? — Lavínia perguntou, que até pouco tempo encontrava-se perdida naquela conversa importuna. Ela não fazia ideia de que eu estava escrevendo um livro.

— Ah, esse eu não fiz roteiro, só fui escrevendo. Por isso estou nele a uns três anos. — Digo, suspirando frustrada. Necessito terminar esse livro, nem que seja a última coisa que farei.

— Tá a três anos no roteiro? — Tom indaga, impressionado. Faço um ar de riso.

— Não! Tô no livro que comecei a escrever sem roteiro. — Explico e ele faz um "ah" em entendimento.

Após isso, Evandro desistiu do assunto e os outros dois curiosos se dispersaram. De volta à paz, eu, Tom e Lavínia voltamos a fazer o que fazíamos antes. Por hora, decidi esquecer essa conversa desesperadora.

Em casa, pensando melhor na conversa humilhante que tive mais cedo, achei a ideia de Evandro, de adicionar pessoas que conheço na história, interessante. Abro meu notebook e acesso o Google Docs, meu editor de texto predileto. Vou ao documento "Roteiro - AME" e encaixo melhor minhas ideias, levando em consideração o que Vando trouxe.

No fim, ele me deu ideias valiosas para a história no geral e sou grata a ele, mesmo que eu nunca venha a assumir isso.





 

Comentários