Sentado na dura e desconfortável cadeira de ferro lá estava ele, encolhido no próprio suéter e absorto nos pensamentos mais estúpidos. Havia tido um belo mal dia, que já despontou piadista [...] Logo o metrô é invadido por pessoas de todas as formas e tamanhos. Não apenas isso, personalidades e "mundos" diversos. Para um domingo de tarde chuvoso, aquilo parecia um enxame de abelhas. Talvez por conta das festividades que estavam ocorrendo naquela área onde o metrô parou.
Com todos acomodados ou espremidos dentro do vagão comprido motorizado, a locomotiva põe-se a trabalhar. O falatório, seja com o celular ou cara-a-cara, é irritante aos olhos do homem que agora saira dos seus pensamentos irrelevantes. Ele ajeita seus óculos na cara e percebe estar espremido por um rapaz jovem que está mais consumido pelo jogo eletrônico do que pelo caos de compressão à sua volta.
Um longo e cansado suspiro é extraído do homem que acredita ter tido o pior e pavoroso dia de toda sua vida. Ele pensa no quão entediante será passar trinta minutos confinado dentro daquele terrível cenário. O choro abafado de uma criança é ouvido muito próximo dele. O tal procura de onde vem e, assim que encontra, ele já está reprimido pela possível mãe a sua frente. Tudo o que consegue perguntar-se é: "O que houve?". Ele desde criança sempre foi muito curioso, não seria diferente agora, mesmo com sua idade madura. Mantém sua postura e cruza os braços, analisando atentamente as cenas seguintes.
— Fique quieta, você sabe que se chorar será pior — a mulher baixinha de cabelos negros, o homem nota, retruca em baixo tom. Ela estava agarrada a uma barra de metal e segurando a mão da menina ao seu lado.
— Mas mãe... — a criança magricela funga. — Estou cansada e com fome — balbucia.
— Você sabe que só vamos poder comer o salame com pão quando sairmos daqui. — A mãe, descobriu o curioso, tenta acalmá-la.
— Eu não aguento esperar. Estou com fome desde de manhã — replica a garotinha. O homem rapidamente olha a hora em seu relógio de pulso, que marcava exatos 15:23 da tarde. Seu olhar volta-se às duas figuras femininas.
— Eu sei, mas o que conseguimos hoje só dá para isso. — Tenta explicar com o timbre meio culposo.
— A senhora acha que as pessoas vão ser boazinhas amanhã? — A menina interroga esperançosa.
— Espero que sim. Vamos mandar pensamentos positivos. — A sua responsável cruza os dedos, fazendo com que ela também cruzasse.
— Se o papai estivesse...
— Não pense nele, se lembra do que combinamos? — A mãe a repreende e faz um semblante de nojo e tristeza.
— Sim...
O homem, que ouvia tudo, recebe um choque de realidade que o deixa demasiado abalado. Sua mente retrocedeu uns bons vinte anos, quando era um pouco mais velho que aquela chorosa garota mas sentiu a mesma fome que a dela, o mesmo desespero de alguém que apenas queria o "pão de cada dia" na mesa, sem precisar correr atrás daquela maneira, sofrer toda humilhação.
Porém sua mente também o culpou. Neste fatídico dia, ele cometeu tantos erros... destruiu o coração da sua própria família. Oh, como errou. Se pudesse desfazer o indesfazível, o faria. Pergunta-se o porque ter traído a mulher que tanto amava-o, por tentação talvez. Ou até mesmo por faltar-lhe moral e achar que ninguém ousaria descobrir.
Provavelmente aquela menina teve um pai como ele, ao mesmo instante que reproduziu o mesmo sentimento que o dela. A conspiração do universo bateu em sua porta e só cabia a ele consertar as coisas. Percebendo que faltava muito pouco para o vagão parar, lembrou-se de que dentro do bolso da calça, um pacotinho de biscoitos fazia-se presente. Logo quis dar àquela criança, para que ela saciasse um pouco da fome.
— Senhora? — Chamou pela mãe da garota. A mulher virou-se para ele.
— O que quer? — Pergunta com uma carranca, como se o conhecesse e soubesse o que ele havia feito. Ele limpou a garganta antes de continuar.
— Vi que sua filha está com fome e lembrei que tenho um pacote de biscoitos comigo. Sei que não é muita coisa, mas pode matar um pouco da fome. — Explica oferecendo o embrulho para a criança, que parecia já estar de água na boca.
— Não precisa. — Ela nega o que foi oferecido e fita-o desconfiada. Sua filha, no entanto, olha pra mãe um pouco revoltada, como se a negação que sua mãe havia acabado de fazer fosse a pior maldade do mundo.
— Por favor, aceite. — Ele insiste. A mulher de cabelos pretos observa de soslaio sua filha, suspirando em seguida.
— Tudo bem. — Aceita ainda contrariada e pede para que a menina vá buscar. — Vitória, dê obrigado ao moço, está me ouvindo? — Instrui sua filha.
— Tá mãe. Obrigado moço. — Ela agradece enquanto dá um pequeno bote no pacote e ele sorri.
— Por nada.
O destino chega e o homem cuida em ir embora, desta vez com um sentimento agridoce no peito. Não sabia o que faria, mas queria resolver as coisas.
Nota da autora:
A palavra indesfazível não existe, então criei meio que um neologismo para dar ênfase ao que queria ser dito e/ou feito, como é caso posto. Essa é uma crônica (como os marcadores já devem ter denunciado) que fiz sem nenhum intuito plausível, mas que espero ter te tocado de alguma maneira. Enfim, era apenas essa explicação que gostaria de dar, até a próxima" <3 (a fonte não mostra, mas isso "<3" é um coração, tá?)
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Obrigada pela leitura! <3