Conto - A enchente

Tudo o que se via era água. A pobre criança, com suas íris cor avelã arregaladas, segurava-se na mãe para não ser arrastada pela vastidão de água que batia nos seus minúsculos pés descalços. Todo seu corpo tremia de medo. A não ser na praia, nunca havia visto tanta água quanto a que entrava pelas portas do que antes era seu lar. Sua mãe estava aflita. Era apenas as duas contra toda água que entrava.

Um ciclone havia passado pelo local e destruído parcialmente tudo o que encontrou pela frente. Os ventos atordoantes ainda eram fortes, porém estavam perdendo velocidade. A casa da assustada garotinha estava em pedaços. Todo o teto revestido de gesso havia caído e despedaçado-se. Foram momentos de terror enquanto partes brancas caiam e embatiam contra a água. Estas agora estão a flutuar pela água uivante.

Bombeiros gritam a procura de alguma alma viva e a mãe da menina grita por socorro. Logo dois desses as alcançam. Elas estavam a tremer de frio e medo. As duas conseguem sair de casa e são cobertas por toalhas. Os dentes de ambas tremiam e a menininha faz questão de olhar para sua casa completamente destruída. O telhado estava perdido, talvez no quintal da vizinha. A cerca, derrubada com brutalidade. Seus olhos enchem de lágrimas salgadas que saem incontroláveis.

Passou tantos momentos bons sob aquelas paredes. Festas de aniversário, brincadeiras, sonhos, risadas. Tudo aquilo virou memórias do passado, enquanto que no futuro, talvez nem fosse mais possível revivê-las de tal maneira.

Tentam acalmá-la, no entanto, está a entrar cada vez mais em desespero. Sua vida estava destruída, seu lar estava destruído. Como seria daqui para frente? Ela não sabia, era apenas uma criança de seis anos que não conseguia tirar de mente a imagem de sua casa, o pesadelo, a água congelante nos seus mínimos pés, o vento bravo que parecia brigar com os móveis.

Seus olhos eram enchentes quando pensava em tudo. As lágrimas não era nada comparada a vastidão que agora revestia seu peito dilacerado. Por que tudo aquilo teve de acontecer logo com ela, uma pobre e inocente criaturinha que do mundo pouco sabe?